terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O relatório sobre a Escola Nacional Unificada há 40 anos: a batalha da educação na Unidade Popular

O relatório sobre a Escola Nacional Unificada há 40 anos: a batalha da educação na Unidade Popular CORREIO DA CIDADANIA A cifra mais reveladora do esforço educacional do governo da Unidade Popular é, sem dúvida, a do aumento global de estudantes: de 2,47 milhões em 1970 passam a quase três milhões em 1973 (1). A chegada às aulas deste vasto contingente exige reformas que reduzam a pressão sobre as universidades, enviando parte dos egressos para o trabalho. O Ministério da Educação, após consulta a professores, pais, estudantes e trabalhadores, apresenta o relatório sobre a Escola Nacional Unificada (ENU) no início de 1973. Buscava racionalizar recursos e introduzir cursos e práticas de especialização tecnológica durante os quatro últimos anos do ensino secundário. Assim, além dos conhecimentos científico-humanistas, todos ingressariam dotados de um diploma de técnico. Mas naqueles dias os líderes da oposição já haviam resolvido derrubar o governo pela força das armas. O rechaço à ENU adquire uma virulência especial já que, na realidade, buscam criar um clima que justifique o golpe. Campanhas de imprensa a apresentam como uma sinistra “revolução cultural que prepara o caminho à ditadura do proletariado” (2), enquanto se alternam manifestações de detratores e de partidários. Até hoje, os meios direitistas evocam a ENU (que poucos leram) como um enredo hediondo marxista de “controle das consciências”, confirmando de certa forma o teorema de Thomas anunciado em 1928: “Quando os homens consideram certas situações como reais, elas são reais em suas consequências” (3). O governo da UP se inscreve na corrente histórica que reivindica o direito à educação pública como via de progresso e de emancipação dos despossuídos. Destina recursos que aumentam a matrícula global de 2.477.254 em 1970 (47% da população menor de 25 anos) a 2.996.103 em 1973 (13,5%); média de 143.000 (32%). A superior aumenta de 83.000 (101%), a universitária sozinha aumenta 89,2%, cobrindo de 16,8% da população de 20 a 24 anos. Tal desenvolvimento é acompanhado por um importante investimento nas infraestruturas: as construções escolares passam de 79.000 m2 em 1970 a 195.000m2 em 1971; aumentam os cafés da manhã, almoços e os beneficiados com colônias de férias. Criam-se 4.200 postos de professores. E melhoram-se os salários dos professores. Mantém-se, no entanto, quase todos os livros didáticos preparados por governos anteriores; o ministério só acrescenta um texto destinado à alfabetização de adultos (4). No plano institucional, o ministro Mario Astorga (ex-presidente do Sindicato Único de Trabalhadores da Educação) outorga ao Conselho Nacional de Educação a qualidade de conselho de desenvolvimento, o que permite formular propostas; cria dez coordenadorias regionais de educação e reforça as equipes da superintendência, dotando-a de meios estatísticos, jurídicos etc. Mas tal crescimento choca com os limites impostos pelas estruturas arcaicas do sistema educacional. Sua consolidação requer reformas estruturais e curriculares. A gestação Em 1971, o ministério inicia uma análise crítica da realidade educacional, primeiro em cada estabelecimento, em seguida nos congressos provinciais e, finalmente, no Congresso Nacional de Educação, cuja sessão em dezembro deste ano conta com 928 delegados docentes, estudantes, pais, trabalhadores de diversas opções ideológicas. Ali alcançam acordos sobre uma educação científica, planejada e unificada, que valorize o trabalho. Mas discorda sobre a “construção socialista” e “democratização”, enviando ao governo documentos alternativos. Baseado nos acordos, o governo publica em outubro de 1972 o decreto de democratização que instaura conselhos de educação (locais, provinciais e regionais), encarregados de formular políticas educacionais, com participação de organizações sociais. As objeções da Controladoria conduzem a redução do papel destas a meros assessores a garantir aos estabelecimentos privados sua liberdade de organização e de recrutamento. O decreto é publicado em 12 de abril de 1973 (5). E em 1972 funciona uma comissão presidida pelo superintendente de educação Iván Núñez, encarregada de escrever o relatório “ENU”. Suas fontes são diversas. Além dos acordos do Congresso Nacional de Educação, considera o informe da Comissão Internacional de Desenvolvimento da Educação redigido por Edgar Faure, especialista da UNESCO e ex-ministro de Educação francês. Consultam as recomendações da Conferência de Ministros da Educação (Caracas, 1971), e a reforma educacional peruana. Há também influências dos sistemas educacionais dos países socialistas, de correntes cristãs, especialmente de Paulo Freire, e do guevarismo. O relatório (6) (nunca foi projeto de lei) é aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, sob consulta ao presidente e aos partidos da Unidade Popular. Em 30 de janeiro 1973, o ministro Jorge Tapia o apresenta ao país e a Revista de Educação que o publica é tirada em 100.000 exemplares. Seu papel é iniciar um debate sobre as reformas que serão estudadas pelo próximo Congresso Nacional de Educação. Em suas páginas introdutórias, o relatório qualifica o capitalismo como anacrônico e a educação vigente como reprodutora da sociedade de classes. Aspira formular uma política educacional que pressupõe a construção de uma sociedade socialista humanista, que valoriza o trabalho produtivo e responde às necessidades educacionais do ser humano desde o nascimento até a velhice, através de uma política de educação permanente. No entanto, mais além desta redundante reiteração, as páginas seguintes apresentam, ao menos, dois ideais de grande pertinência. Segmentação e unificação Com o advento do ensino primário obrigatório, em 1920, aumenta-se a distância entre a educação privada e pública, e também a distância entre filiais do próprio ensino público. Os filhos dos despossuídos aprendem em escolas primárias comuns “numeradas” ou em escolas profissionais, atendidas por normalistas e com escassas possibilidades de ir mais longe. No entanto, os filhos das classes médias frequentam as “preparatórias”, anexas às faculdades, onde professores universitários ensinam, preparando os secundaristas e abrindo perspectivas do ensino superior. Em 1970, coexistem estas duas filiais, quase estancadas. Como resposta a esta segmentação, uma antiga corrente de pensamento postula mais “unidade” entre os sistemas, ou seja, racionaliza os recursos materiais, humanos, técnicos ou financeiros. Existem, de fato, estabelecimentos próximos, mas sem relações entre eles, por estarem vinculados a diferentes segmentos da sociedade. A “unificação” fica a cargo de Complexos Educacionais com certa autonomia, vinculados às empresas e universidades. Isto inclui os colégios privados que conservam seu status garantido pela Constituição, mas devem participar destas medidas para conservar subvenções e reconhecimento de diplomas (7). Mais técnicos Os princípios de igualdade de oportunidades, de avançar na superação da divisão entre trabalho manual e intelectual, e de combinar estudo com trabalho, defendidos pelas esquerdas, adquirem urgência em 1973. A matrícula na educação superior havia passado de 56.000 em 1967 a 127.000 em 1972. Neste ritmo de expansão – indica ODEPAN – haverá um “dramático” aumento de custos por causa da pressão de ingressar nas universidades, que absorvem 40% dos gastos educacionais. O sistema educacional entraria em colapso em 1976, quando estavam previstas as eleições presidenciais. O governo se nega a restringir o ingresso e impugna toda política que introduz deveres seletivos. Opta por diminuir esta pressão reforçando o ensino médio, em particular o técnico-profissional, acrescentando a parte de alunos secundários que escolhem o mundo do trabalho. A principal inovação proposta pela ENU é, sem dúvida, o curriculum dos quatro últimos anos do secundário: cursos comuns continuam assegurando uma base cultural e científica; outros, eletivos, desenvolvem as habilidades de cada um; e uma especialização tecnológica, escolhida, toma a forma de cursos combinados com práticas em empresas, prédios, minas, portos etc. Assim, cada diplomado do secundário terá uma formação geral que lhe permite dirigir-se aos estudos superiores, e também um diploma técnico de nível médio, eventualmente prolongável em um décimo terceiro ano, que o capacita para o trabalho (8). A ofensiva A oposição reage com uma virulenta campanha contra a ENU, que adquire a forma de um verdadeiro motim, em março e abril de 1973. Tal rancor encontra ao menos duas explicações. A primeira é política: os 44,51% obtidos pelo governo nas eleições parlamentares de março privam a oposição da acusação constitucional, que requer dois terços. Esta se vira aos quarteis e, mais que debater sobre como melhorar a educação, necessita criar um clima caótico que justifique o golpe. A segunda é de índole psicossocial: a proposta de compartilhar recursos entre estabelecimentos, incluindo os “particulares” elitistas, e de efetuar práticas em empresas frequentando seus trabalhadores, é vivida como uma horrível transgressão pelas classes altas e por uma parte da classe média, então traumatizada pelo novo papel “dos de baixo”. O capitão Hernán Julio recorda as reações da oficialidade naval durante uma conferência do ministro da Educação em Porto Aldea. Escutam com franca hostilidade, pensando “esta é uma lavagem cerebral para fabricar um país de comunistas” (9). Em outra conferência um coronel grita encoleirado: “Sou presidente de um centro de padres; tenho sete filhos em idade escolar. Meus filhos não irão para trabalhos em fábricas!” (10). Em um contexto de manifestações e violência de rua, pró e contra, a campanha de imprensa se intensifica. O El Mercúrio dedica à ENU quase um artigo cotidiano, frequentemente em primeira página. Seu teor é resumido no folheto da ENU. O controle das consciências é editado pela FEUC, então golpista. Ali, Javier Leturia, Arturo Fontaine e outros denunciam um sinistro complô para converter a educação em “doutrinamento” marxista-leninista, que passaria a ser “ideologia oficial do Estado”, como existiu na Alemanha de Hitler e existe na Rússia, donde o educando passará “de pessoa a robô de um Estado totalitário”. Logo Mario Calderón, advogado da educação “particular”, afirma que na ENU “se esconde na verdade o intento por impulsionar uma doutrina que desconhece o direito e valores básicos da educação familiar”. Vincular estudo e prática não é outra coisa que “obter mão-de-obra grátis de parte dos escolares”, para “provocar a politização das crianças e a ruína das empresas, a fim de provocar sua estatização”. Por último, quando a ENU já estava adiada, os bispos, protagonizando talvez o único atrito entre a Igreja e o governo, reconhecem “méritos pedagógicos”, mas se opõem “ao fundo do projeto por seu conteúdo que não respeita valores humanos e cristãos fundamentais” e agradecem ao ministro sua decisão de postergá-lo (11). Na realidade, as críticas à ENU não se referem a suas propostas. Pressupõe sinistras intenções ocultas do governo, ou se baseiam sobre distorcidas deduções das consequências “totalitárias” que teria a aplicação dos princípios socialistas expostos nas páginas iniciais, criminalizando estas ideias. No começo de abril, as tensões são tantas que o Conselho Nacional de Educação anuncia o adiamento do debate, assegurando que não haverá apressamento. Retrospectivamente, a ideia de unificar sistemas educacionais, racionalizando recursos, e de incrementar o ensino técnico conserva boa parte de sua validade. Notas: 1. Núñez Iván, 2003, A ENU entre dois séculos. Julgamento crítico sobre a Escola Nacional Unificada, Ed LOM. 2. El Mercurio, 30/3/1973. 3. Garrigou Alain, 2013, http://blog.mondediplo.net/2012-03-27-La-production-de-la-croyance-politique#nb1 4. Núñez, 2003, 18-21. 5. Núñez, 2003, 28-30 6. Relatório sobre a Escola Nacional Unificada, 9 de março de 1973, em González Miguel, Fontaine Arturo (ed), Os mil dias de Allende, 1217-1232. 7. Núñez, 2003, 66-71. 8. Núñez, 2003, 98. 9. Entrevista a Hernán Julio, 2004. 10. Huerta, 1988, Voltaria a ser marinheiro, vol II, Ed. Andrés Bello, 15. 11. Declaração da Assembleia Plenária do Episcopado sobre a ENU, Punta de Tralca, 11/4/1973. Leia também: O Parlamento, a Corte Suprema e a Controladoria contra a Allende: o conflito institucional O governo de Salvador Allende: um legado inspirador? A greve de outubro de 1972: a primeira ofensiva para derrubar o governo da Unidade Popular Quanto apoio tinha a Unidade Popular? A utilização da lei pelo governo de Salvador Allende O Chile de Allende: uma tentativa de política internacional independente A Unidade Popular e as Forças Armadas O Chile de Allende: a greve de outubro de 1972 e a impressionante reação popular A “chilenização” e a “nacionalização pactuada” de Frei Montalva A medida econômica mais transcendente do século 20: a nacionalização do cobre em 1971 O projeto constitucional do governo de Allende As origens do golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 Golpismo, militares constitucionalistas e herança ditatorial; democratizar as forças armadas continua necessário Jorge Masasich é historiador chileno e leciona em Bruxelas. Série de artigos originalmente publicada pelo Le Monde Diplomatique francês e espanhol. correio da cidadania

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Reflexos da ditadura na educação impedem país de avançar

Brasília - Os reflexos da ditadura civil militar sobre a educação foram tão nocivos e profundos que até hoje, 30 anos após o início da redemocratização, impedem o país de alavancar a qualidade e democratizar o acesso a este que deveria ser um direito fundamental de todo brasileiro. Em audiência pública promovida pela Comissão de Educação da Câmara, nesta quinta (24), especialistas foram unânimes em apontar as heranças do regime como principais responsáveis pela má qualidade da educação pública e pela vergonhosa falta de acesso a ela para os pelo menos 14 milhões de analfabetos, além de número maior ainda de analfabetos funcionais. Presidente do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti lembrou que a ditadura pôs fim ao ambiente de otimismo pedagógico dos educadores brasileiros com o avanço da educação popular e emancipatória já nos primeiros dias após o golpe. Em 14 de abril de 1964, um dia antes do general Castelo Branco assumir o posto de ditador, foi extinto o Programa Nacional de Alfabetização, que vinha sendo implantado no país pelo educador Paulo Freire e seria inaugurado oficialmente em maio. Segundo ele, não foi nenhum rompante do regime. A decisão já havia sido tomada um ano antes, quando Castelo Branco ouvira Paulo Freire em um evento no interior paulista. “Vocês estão engordando cobras”, teria diagnosticado o futuro ditador. Na sequência, vieram as reformas educacionais que arrasaram com o modelo de educação brasileira. O presidente do Instituto narrou que, em 10 de junho de 64, na primeira reunião com secretários de educação, Castelo disse textualmente: o objetivo do meu governo é estabelecer a ordem entre trabalhadores, estudantes e militar. E seu ministro Suplicy completou: estudante deve estudar, professor deve ensinar, e não fazer política. “Aí está o programa da ditadura: uma visão autoritária da educação e uma visão tecnicista que ainda permanece, suavizada, sem a ostentação e arrogância daquele período”, avaliou. Gardotti ressaltou também a introdução do caráter mercantilista da educação, trazido dos Estados Unidos, que a transforma em negócio, ao invés de direito. “Havia uma lógica de privatizar”, denuncia. Ele criticou a reforma universitária, que promoveu a “departamentalização”, apontada como estratégia para fragmentar o conhecimento. E também a forma autoritária como eram impostos os diretores, selecionados não pelo desempenho acadêmico, mas pelo perfil gerencial. “A reforma universitária visava reformar para desmobilizar”, resumiu. Sobraram críticas também à reforma do ensino básico, feita de modo a impedir o crescimento intelectual dos alunos. “A reforma da educação básica tem coisas hilárias, como dizer que todo mundo tem que se profissionalizar porque Jesus Cristo foi carpinteiro”, exemplificou. Segundo ele, em uma época que até o Banco Mundial preconizava que os trabalhadores tinham que ter uma formação generalista, a ditadura obrigou todas as escolas de ensino médio a introduzir a formação técnica compulsório, sem nenhum preparo para isso, e o resultado foi um fracasso. Outro fracasso registrado foi o do Mobral, criado para alfabetizar jovens e adultos e extinto no governo Sarney. Em quase 20 anos, o programa, que prometia acabar com o analfabetismo em 10, conseguir reduzir a taxa apenas de 33% para 25%. “O Mobral alfabetizou muito pouco. E era muito mais fácil do que hoje, porque esses 8% residual que temos agora está no campo e em locais de difícil acesso”, analisou. No inventário dos prejuízos causados pela ditadura à educação brasileira, ele incluiu também o desmantelamento dos vários movimentos sociais e populares, a eliminação da representação estudantil e a perda da capacidade dos educadores de influir nos rumos da educação. Para ele, é preciso mudar a concepção da educação. “Nós temos que formar professores a partir de uma outra ótica, de uma outra concepção de educação que respeite o saber das pessoas, que introduza o diálogo, o respeito, e vença aquilo que é o mais duro do que foi herdado da ditadura: a falta de democracia”, diagnosticou. Como exemplo, ele citou o quanto ainda é difícil implantar um conselho de escola ou mesmo difícil discutir política na escola, o que considera salutar para o país. “Estamos formando gerações sem discutir que país queremos”, afirmou. Gardotti lembrou que Paulo Freire já dizia que educar é politizar sim. “Não podemos formar estudantes na velha teoria do capital humano: estude, trabalhe e ganhe dinheiro. Paulo Freire respondeu claramente a esta teoria na época: a educação que não é emancipadora faz com que o oprimido queira se transformar em opressor”, concluiu. O sociólogo e colunista da Carta Maior, Emir Sader, lembrou que o arrocho salarial foi tão importante para a sustentação da ditadura quanto a repressão sistemática, o que acabou comprometendo a qualidade dos serviços públicos, inclusive a educação. “O santo do chamado “milagre econômico” foi o arrocho salarial”, afirmou. Segundo ele, até então, a escola pública era um espaço de convivência entre a classe pobre e a classe média, um espaço de socialização. “A classe média, a partir daquele momento, passou a se bandear para escola particular, fazendo um esforço enorme, colocando no orçamento os gastos de escola e deixando a escola pública como um fenômeno social de pobre”, observou. O sociólogo avalia que a ruptura causada foi tão significativa que a escola pública, até hoje, não recuperou seu vigor. “A democratização não significou a democratização do sistema educacional, não significou a recuperação da educação pública, da saúde pública. Isso está sendo feita a duras penas na última década, mas com uma herança acumulada brutal. Já tem reflexos no ensino universitário, mas não em toda a educação: a escola pública nós perdemos”, ressaltou. Para ele, os investimentos em educação superior são importantes, mas é a reconquista da qualidade da educação primária e média que deve ser tema fundamental e urgente à democracia brasileira. “Estamos muito atrasados. Até a saúde pública, apesar do viés duríssimo da perda da CPMF, nós conseguimos melhorar agora com o programa Mais Médicos. Mas a educação, não. A estrutura de poder herdada da ditadura só se consolidou, inclusive a da educação privada”, observou Sader, lembrando que os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso aprofundaram ainda mais o processo de privatização deflagrado pelos militares. Sadir Dal Rosso, professor da Universidade de Brasília (UnB), uma das mais afetadas pelo golpe civil militar, submetida a três intervenções, abordou o impacto da ditadura na universidade e na construção do pensamento brasileiro. Segundo ele, o controle das administrações universitárias, a demissão e expurgos de professores que não concordavam com o regime, os assassinatos de estudantes, o controle das organizações estudantis e a implantação de serviços de informação no meio acadêmico causaram prejuízos imensuráveis ao país, que ainda precisam ser investigados e punidos. ““É necessário esclarecer a verdade e, neste sentido, é necessário rever a Lei da Anistia”, defendeu. fonte Carta Maior

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Viva Allende

Enquanto os brasileiros comemoram mais um pacato 7 de setembro como outro qualquer, o Chile vive uma jornada intensa: hoje, 11 de setembro de 2013, se comemoram 40 anos do violento golpe de estado perpetrado contra o único governo de orientação verdadeiramente socialista até então eleito pela via democrática no mundo. Literalmente se “comemora”, trazendo à memória, recordando as diferenças, realizando balanços e resultando em poucas, muito poucas mea culpa. Enquanto O Globo, em tom solene, reconhece tardia e discretamente ter sido um erro apoiar o golpe militar no Brasil, o Chile incrivelmente mantém condições que permitem que o principal jornal chileno El Mercurio critique o presidente milionário de centro-direita por atribuir responsabilidades à conivência da imprensa nos atropelos aos Direitos Humanos. Pior, continua buscando malabarismos retóricos para fazer-se de herói: La única alternativa a ese modelo era entonces un esfuerzo incesante por relajar todas las restricciones, hasta llegar – caso al parecer sin precedente histórico - a que, al avanzar la década de 1980, hubiera medios de oposición beligerantemente activos durante el gobierno militar mismo, contribuyendo con eso decisivamente a una transición pacífica y democrática (Editorial de El Mercurio de 8 de setembro de 2013) Enquanto os parentes de presos desaparecidos acendem velas, se preparam para marchar, protestar ou simplesmente chorar em silêncio as penas passadas, velhos fantasmas coniventes ou ativos do governo autoritário circulam livremente pelos corredores do palácio presidencial, administrações regionais, governos provinciais ou em funções administrativas, impunes e muitos deles, à semelhança do vergonhoso periódico El Mercurio, ainda convictos de ter agido bem. Enquanto umas centenas de estadunidenses respiram fundo para celebrar seus parentes mortos no ataque às torres gêmeas logo na virada do século, milhares de chilenos continuam sofrendo os efeitos das bombas em La Moneda em 1973, entre exilados, marginalizados, torturados, desaparecidos, fuzilados, asfixiados, desmembrados, afogados, degolados, esquartejados e seus parentes. Enquanto Obama hesita em empreitar outra cruzada catastrófica, desta vez contra meus ancestrais na Síria, para defender um suposto ideal democrático – o mesmo que atacou, na segunda metade do século XX, por toda a América, porque não podiam, nas palavras de Kissinger, deixar que o país se torne comunista pela “irresponsabilidade de seu próprio povo” –, o Chile, no fim do ano, irá optar se quer como próxima presidente a filha de um general assassinado na ditadura ou a filha do general assassino, conivente e protagonista da junta militar, suspeito de haver matado justamente o pai de sua oponente. Enquanto procuram novos inimigos nacionais, outro arsenal de armas químicas (serão novamente imaginárias?), bodes expiatórios, eixos do mal, justificativas para o injustificável, será que os Estados Unidos não poderiam ao menos devolver o 11 de setembro para o Chile, já que eles mesmos patrocinaram o evento? Marcelo Luis B. Santos é mestre em Ciências da Comunicação e Semiótica, professor, escritor e consultor em comunicação e democracia. Publicação: Correio da Cidadania